Tornar-se um exemplo é sempre uma honra e um risco. O Brasil foi, durante anos, exemplo de economia em desenvolvimento acelerado. Hoje, estamos numa crise. Mas meu artigo de hoje fala da Venezuela, como um exemplo a se observar.
A Venezuela é exemplo de caos econômico e social na América Latina. Se fala muito sobre o descontrole monetário venezuelano e também sobre a crise energética e telefônica em nosso vizinho. A distância entre a realidade da Venezuelana e a nossa, dos argentinos, equatorianos e bolivianos é diferente, mas é inegável que todos podem, potencialmente, acordar no pesadelo do presidente Maduro caso uma política populista continue desvalorizando as nossas moedas.
Não quero neste artigo abordar todos os aspectos da crise na Venezuela. Falarei apenas sobre a hiperinflação que desgasta o Bolívar Venezuelano, a moeda em vigência no país desde 1879.
A hiperinflação é, como o próprio nome diz, uma situação inflacionária elevada à enésima potência. A inflação, embora tenha um nome ruim, não é de todo nociva para uma economia. O contrário da inflação é a deflação, que é quando os preços caem, o que faz com que os salários também diminuam. Uma taxa de inflação baixa, de até 5%, é boa para a economia, pois acaba fazendo com que preços e remunerações subam e possam se equilibrar, o que desenvolve a economia. O problema é quando esse pequeno dragão foge do controle e o poder aquisitivo do povo é afetado. Com o aumento consecutivo de preços, o governo acaba recorrendo à impressão de dinheiro para colocar moeda em circulação. Isso acorda uma lei inexorável do capitalismo, que é a da oferta e procura. Quando se tem muito mais dinheiro na rua do que o ideal, o valor real das cédulas diminui. Em ritmo acelerado, essa inflação fora de controle se transforma em hiperinflação, que é quando nem a população e nem o próprio governo conseguem acompanhar o ritmo do aumento dos preços.
No caso da Venezuela, é seguro dizer que a hiperinflação é consequência direta do descontrole absoluto de um sistema financeiro que, focado em fazer política, não protegeu a moeda, que é o maior patrimônio de um país. Uma moeda forte para o Estado é como a reputação para um indivíduo. Nos tempos modernos, o controle do sistema financeiro de um país está ancorado, principalmente, na credibilidade e confiança dos orçamentos públicos. A moeda venezuelana está tão desvalorizada que nem a própria população faz questão de tê-la, preferindo moedas de outros países, mais confiáveis e com câmbio mais seguro.
Com a queda do petróleo que era responsável por 96% de sua economia e sem uma fonte alternativa de receita, o governo da Venezuela recorreu a um financiamento mortal para qualquer governo: ele mesmo. Criou-se então a armadilha do dinheiro gratuito, que é a impressão de novas cédulas. A demanda da Casa da Moeda venezuelana foi tão grande, que as impressoras venezuelanas não possuem mais papel para impressão. Impossibilitada de fazer a irresponsabilidade “in house”, o governo importou trinta aviões 747 carregados com pelo menos cinco bilhões cédulas impressas na Colômbia. Sem dinheiro, a Venezuela pagou pelo serviço esgotando suas reservas internacionais de dólar e de ouro. Finalmente sem caixa e alternativa, a impressão de moedas para o país está parada.
Em 2014 um dólar custava 200 bolívares no mercado paralelo. Em 2015, um dólar custava mais de 1000 bolívares, o que significa uma desvalorização da moeda de mais de 80% em um ano, mas organismos internacionais estimam uma inflação de mais de 700% ao ano. A impressão de notas sem lastro para bancar o dinheiro em circulação é uma das causas desse descontrole. Para se ter ideia, segundo o banco central venezuelano, a quantidade de cédulas de papel que circulam na Venezuela quadruplicaram em um período de 2 anos.
Sem ter como corrigir a inflação de forma técnica, o governo implantou um rígido controle de preços. Ao invés de resolver o problema, o governo obrigou a população adquirir esses bens no mercado negro: desde itens de manutenção de carros, até papel higiênico. Para comprar qualquer coisa, o cidadão tem de andar com pilhas de dinheiro vivo.
Não bastasse esse beco sem saída monetário, o país agora passa por uma crise energética que obrigou a população a um racionamento cruel de energia: as famílias ficam pelo menos 4 horas por dia sem luz. Os serviços públicos agora não funcionam durante 5 dias por semana. A energia é requisito estrutural obrigatório no desenvolvimento e o blackout, além de representar um sério risco humanitário, comprometendo a conservação de alimentos e também a prestação de serviço médico, paralisa comércios e indústrias, o que retrairá ainda mais a economia do país.
Entre a morte de Hugo Chávez e a posse de Maduro, a moeda venezuelana perdeu cerca de 98% do seu valor no mercado paralelo. Engana-se, entretanto, quem acha que isso tudo é culpa do novo presidente. Não, ele herdou uma gestão ruim e continuou seus erros. Com isso, o apoio popular ao governo caiu e, com a queda do apoio, o regime bolivariano está mais rígido e autoritário. Sem um jurídico confiável e com um parlamento beligerante, o clima dentro do país não é propício para investimentos, algo tão necessário para se pensar em recuperação da economia.
A situação venezuelana é o resultado óbvio de um país que tenta reger sua economia por decretos, e não com ações e planejamento. As intervenções no mercado, o controle no câmbio, a limitação da lucratividade, a nacionalização de empresas, e outros fatores, causaram o fechamento de empresas, o desemprego generalizado e a fuga de investidores internacionais. Some a isso tudo os gastos muito além da arrecadação e ao encolhimento da economia em 5,7% em 2015 e 8% este ano, segundo o FMI.
Chávez sonhava em transformar a Venezuela em um exemplo social para a América Latina. As recorrentes violações humanitárias e os erros primários na economia fizeram o contrário. Transformaram uma nação que nadava em petrodólares em o primeiro país do mundo a não ter dinheiro para imprimir dinheiro. Isso é um país com hiperinflação.
Precisamos atentar ao exemplo da Venezuela para sabermos que um país próspero e justo para seus cidadãos depende de uma boa gestão política e econômica, com independência das instituições e transparência para a população. Ninguém quer ser uma Venezuela, mas todos podemos ser se não nos interessarmos em conhecer como funcionam os governos e cobrar deles, no mínimo, responsabilidade na gestão do nosso dinheiro.