Luciana Seabra | De São Paulo
As letras de crédito, isentas de imposto de renda, viraram artigo raro. É só aparecer na prateleira dos distribuidores que somem em poucas horas. Tanto as plataformas on-line voltadas para o varejo quanto os alocadores de fortunas têm rebolado para atender à demanda crescente dos clientes enquanto a falta de lastro impede o aumento da oferta. Difícil encontrar um substituto perfeito para as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs). Outros produtos isentos e os tradicionais Certificados de Depósito Bancário (CDBs) estão na fila.
"Em duas horas acaba o lastro que o emissor disponibiliza. Você põe na plataforma e some", diz Bruno Carvalho, gerente de renda fixa da Guide Investimentos, que oferece títulos e fundos por meio de uma prateleira on-line. "Independentemente do tamanho da instituição, vimos uma redução da oferta", afirma Richard Ziliotto, sócio da gestora de patrimônio Taler, que acompanha o mercado diariamente em busca de ativos para compor o portfólio de clientes de alto patrimônio.
Ao entrar em contato com os emissores, alocadores e distribuidores recebem principalmente a justificativa da falta de lastro. Em tempos de economia fraca, ficam mais escassas as operações de crédito imobiliário que servem de base à estruturação de LCIs. No caso das LCAs, além do crescimento mais fraco, produtores rurais sofreram com condições climáticas desfavoráveis e uma greve de caminhoneiros agravou o escoamento da produção, aponta Carvalho. Sem o lastro, é impossível estruturar as letras.
Outra justificativa para emissões menos fartas é uma parada técnica, um período de adaptação às novas regras do Conselho Monetário Nacional (CMN), divulgadas em maio. O prazo mínimo de vencimento e resgate de LCIs e LCAs foi ampliado para 90 dias. Até então, não havia restrição para LCAs e, no caso de LCIs, o prazo era de 60 dias. Além disso, há novas diretrizes para as operações que podem servir de lastro às letras.
As mudanças começam a aparecer nos números. Na comparação da primeira quinzena de junho com o mesmo período de maio, o volume de emissões recuou 36%, para R$ 14,1 bilhões, conforme mostrou reportagem do
Valor com base em dados da BM&F Bovespa e da Cetip, responsáveis pelo registro das operações.
Os reflexos das regras do CMN vão ficar mais claros ao fim de junho, diz Carlos Ratto, diretor-executivo da unidade de títulos e valores mobiliários da Cetip. Ele espera um efeito especialmente sobre as operações de LCAs. Sem prazo mínimo, conta, o instrumento era usado por pessoas jurídicas para operações de curtíssimo prazo, hoje impossíveis, já que, ao contrário dos outros tipos de investimento, a letra não pagava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Com a pressão da demanda, os prêmios também encolheram. A redução de retorno em relação aos tempos áureos, quando comparados papéis de mesmo prazo, aproxima-se de dez pontos percentuais do CDI segundo os distribuidores. Os prazos também estão mais longos. A determinação do CMN impede vencimento em menos de três meses, mas, na prática, prazos inferiores a seis meses estão ausentes nas plataformas.
"Hoje em dia grande parte dos títulos isentos é para prazo superior a um ano", diz Bruno Saads, responsável pela área de produtos de renda fixa da XP, dona da maior plataforma on-line do mercado. E não há alívio no horizonte. Na conversa com os emissores, em grande parte bancos médios, Saads diz que o indicativo é de um crescimento real da carteira de crédito negativo, ou seja, menor do que a inflação.
O freio na oferta de letras de crédito começa a criar uma legião de órfãos. São investidores que querem retorno farto, mas sem correr muito risco. Alocadores e distribuidores testam a demanda por outros produtos, como os tradicionais Certificados de Depósito Bancário (CDBs), que ressurgem nas plataformas.
A Órama, que nasceu como uma prateleira de fundos, colocou CDBs em sua plataforma on-line pela primeira vez neste mês. Os bancos de médio porte começam a oferecer CDBs, ainda que de prazo mais longo, com taxas mais agressivas, segundo Sandra Blanco, consultora de investimentos da plataforma on-line. Um papel incluído na prateleira da casa, emitido pelo Banco Máxima, por exemplo, paga 116% do CDI em 363 dias. A diferença para as letras é que aqui incide o imposto de renda, regressivo com o avançar do prazo. Nesse caso, vale a alíquota de 17,5%, o que torna esse CDB equivalente a uma LCI de mesmo prazo que paga 95,7% do CDI.
A principal semelhança do certificado com as letras é a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que assegura ao investidor até R$ 250 mil por instituição investida, em caso de default. Essa garantia pode ser o caminho para os CDBs recuperarem seu reinado, ameaçado pelo advento das LCIs e LCAs. Para se ter uma ideia, o estoque de certificados na Cetip encolheu 13,2% de maio do ano passado para o mesmo mês deste ano.
Certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRIs e CRAs) poderiam ser vistos como substitutos naturais às letras, por conta da isenção de imposto. Os prazos, entretanto, são mais longos, em geral de pelo menos três anos. Além disso, são produtos mais complexos, que não contam com a segurança do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que devem passar por uma avaliação mais criteriosa do projeto e dos agentes participantes, como custodiante e securitizadora. "É menos confortável para o investidor", diz Ziliotto, da Taler.
Ratto, da Cetip também não vê CRIs e CRAs como o próximo alvo dos investidores pessoa física. "O caminho natural, se por acaso não tiver mais lastro para LCIs e LCAs, é o do CDB", diz, apontando para o fato de os dois terem base em risco bancário.
A gestora de fortunas GPS, do grupo Julius Baer, tem percebido a escassez de letras, o que inviabiliza a renovação de todos os papéis que vencem nas carteiras de clientes. É reticente, entretanto, em relação à maior oferta de CDBs. "Banco que aceita pagar 120% do CDI ou mais em uma captação já é por natureza de pior qualidade", diz Marcelo Urbano, responsável pela área de crédito da GPS.
Urbano lembra que quem conta com o FGC pode levar alguns meses para reaver o valor investido, sem correção, no caso de default. Além disso, ao travar os recursos em um CBD, diz, o investidor pode perder oportunidades com melhor remuneração no meio do caminho, até mesmo em títulos prefixados e NTN-Bs, que pagam uma taxa prefixada mais a variação da inflação.
O fato é que a missão de encontrar um ativo para ocupar o lugar das letras é inglória. "No mesmo nível de risco/retorno, não vejo como substituir", diz Urbano. A regra, considera, é diferenciar o bolo que deve ficar líquido do que pode ser imobilizado por mais tempo. Para o primeiro montante, se não for possível contar com as letras, o caminho são os tradicionais fundos DI de taxa baixa. Para a segunda fatia, a solução é buscar ativos mais sofisticados e, assim, mais rentáveis. Nesse segmento que exige mais análise, há boas oportunidades, segundo Urbano, que seleciona ativos de crédito para clientes de alto patrimônio. "Nunca trabalhei tanto na minha vida."
Para quem tem capacidade de selecionar ativos e não simplesmente confiar nas agências de avaliação de risco, Urbano espera que surjam CRIs e CRAs atraentes. Outra opção, aponta, são as debêntures de infraestrutura, que também não sofrem a mordida do Leão e financiam um setor que o governo pretende promover nos próximos anos.
Um impeditivo é que o mercado secundário de CRIs e CRAs ainda é muito incipiente, diz Saads, da XP. Para os adeptos das letras, a casa tem sugerido CDBs para prazo de um a dois anos, com taxa entre 115% e 120% do CDI, e também títulos públicos. Como existe a expectativa de um ajuste nos juros embutidos nos papéis para baixo, há a perspectiva de ganho de capital. NTN-Bs com vencimento em 2018 são uma pedida. Para os mais conservadores, a receita é títulos pós-fixados e fundos DI. O que Saads ainda não viu foi o investidor das letras topar migrar para ativos de maior risco, como ações.
Essa matéria pode ser lida também no site do
Banco Máxima, presidido por Saul Sabbá.
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